Opinião
- 04 de outubro de 2017
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Sola Scriptura: A Bíblia e a Reforma
Por Erní Walter Seibert
Quando se pensa na Bíblia, hoje, com suas muitas traduções e inúmeras edições, fica difícil imaginar o que era a Bíblia no tempo da Reforma. Mas o tema é importante. A Comissão que coordena as celebrações dos 500 anos da Reforma, na Alemanha, colocou o centro das celebrações na Bíblia. A tradução da Bíblia para a língua do povo, no caso da Reforma, para o alemão, foi considerada a obra mais importante de Martinho Lutero. E o lema escolhido para as celebrações foi o primeiro versículo do evangelho de João que diz “no princípio era o verbo”, ou, a palavra. Convido você a dar uma rápida olhada naquele período da história, para entender o significado da Bíblia.
No final do século 15, praticamente, não existiam traduções da Bíblia para a língua falada pelo povo. Na Igreja ocidental, que tinha sua sede em Roma, a tradução utilizada nas missas e nos centros de estudo era a Vulgata – tradução em latim feita por Jerônimo no Século 4. Nos Conventos e Monastérios, eram realizadas leituras bíblicas nos ofícios litúrgicos. Nas casas do povo, a leitura bíblica era quase inexistente, por vários motivos. As Bíblias eram copiadas a mão e eram caras. A maioria das pessoas era analfabeta. O conhecimento bíblico do povo era transmitido por meio das obras de arte (esculturas, pinturas, vitrais) e por músicas. O calendário litúrgico da Igreja fazia com que o povo tivesse conhecimento das histórias relacionadas às grandes festas, como Natal e Páscoa.
A grande questão da Reforma não era sobre a Bíblia, mas sobre o Deus da Bíblia. Basicamente, as questões principais eram quatro: Quem é Deus? Quem é o ser humano? Como Deus providenciou a salvação por meio de Jesus Cristo? Como o ser humano recebe esta salvação? A última das perguntas conduz diretamente à questão da justificação pela fé. A Bíblia é o registro da revelação de Deus. Se essas questões forem respondidas corretamente, elas precisam ser respondidas a partir da Bíblia. É por aí que entra a questão da centralidade da Bíblia na Reforma expressa no “sola Scriptura” (somente pela Escritura).
Agora, é preciso voltar um pouco o olhar para Lutero e seu tempo. Lutero era um monge agostiniano. O começo do Século 16 é conhecido como o começo da Renascença. O Renascimento caracterizava-se como uma volta ao estudo dos clássicos do passado. Na filosofia, voltaram a ser estudados os clássicos gregos. Na religião, a volta foi para a Bíblia. Lutero era doutor em Bíblia. Ele dava aula sobre livros da Bíblia. Deu aulas sobre os livros de Salmos, Romanos e Gálatas. O estudo da Bíblia levou Lutero a questionar diversas práticas da Igreja de seu tempo e resultou na divulgação do famoso documento chamado “95 teses”, em 31 de outubro de 1517.
Lutero via a Bíblia como central para a doutrina cristã e o ensinamento da Igreja. Por isso, quando, alguns anos depois, foi sequestrado por amigos que temiam pela sua vida, Lutero dedicou-se, durante este retiro, a traduzir a Bíblia para a língua do povo. Ele pensava que se o povo pudesse ler a Bíblia, certamente, ele encontraria a revelação da graciosa salvação que Deus preparou por meio de seu Filho, Jesus Cristo, e que é recebida mediante a fé. Aí estavam os primeiros “solas” (somente): sola gratia (somente a graça), sola fide (somente pela fé) e sola Scriptura (somente a Escritura). A estes três somaram-se mais dois, que explicitam tudo para dar maior clareza: Solus Christus (somente por Cristo) e Soli Deo gloria (Somente a Deus a glória).
A tradução da Bíblia para o alemão começou em 1521, com o Novo Testamento. Durante seu retiro, no Castelo de Wartburgo, Lutero concluiu a tradução que foi publicada no ano seguinte. Nos próximos anos, com a ajuda de colegas, ele empreendeu a tradução do Antigo Testamento. A Bíblia completa de Lutero, em língua alemã, teve sua primeira edição em 1534. Até hoje, essa é considerada uma obra fundamental para a consolidação do idioma alemão.
3 passos para a leitura bíblica, segundo Lutero
É importante destacar que Lutero queria que a Bíblia estivesse na língua do povo para que fosse lida pelas pessoas. Lutero ensinava que a leitura da Bíblia deveria ser feita em três passos: oração, meditação e tentação. Ou seja, a leitura bíblica deveria, primeiro, ser precedida e acompanhada de oração. Na oração, assume-se uma postura de humildade e reconhece-se que Deus é Deus e o ser humano criatura. A oração também é o espírito correto para a leitura da Palavra de Deus, pois se assim for feita a leitura, significa que o leitor quer que, por meio da Palavra, Deus o ensine.
O segundo passo, a meditação, não é um simples exercício de espiritualidade abstrata para Lutero. Meditação é o estudo da Palavra. Passa pela gramática e compreensão do texto. A meditação compreende também os textos paralelos da Bíblia, pois Lutero seguia o princípio de que a Bíblia interpreta a si mesma.
O terceiro passo era chamado por Lutero de tentação. É quando o aprendizado obtido por meio da leitura é aplicado à vida. Lutero dizia que aí sobrevém a tentação. A vida cristã, que deve ser orientada pela Palavra de Deus, não é fácil. É no exercício da vida que as tentações surgem. Na oração do Pai Nosso, o Senhor Jesus ensina que é preciso pedir ao Pai para não cair em tentação. A leitura da Palavra deve ser praticada na vida.
A jornada de Lutero com a Bíblia é inspiradora para nossos dias. Quanto da vida da Igreja e dos cristãos continua sendo orientada pela Palavra de Deus? Quanto a Bíblia é lida e estudada pelas pessoas, pelas famílias e pela Igreja? Quanto a Palavra de Deus está influenciando a vida da sociedade? O que deveria ser feito para que a centralidade das Escrituras voltasse a ser a tônica da atividade dos cristãos? Olhar para a Reforma, certamente, inspira e ajuda na jornada de fé atual.
• Erní Walter Seibert, doutor em Ciências da Religião, mestre em Teologia e com MBA em Marketing de Serviços, é autor de quatro livros. É secretário de Comunicação, Ação Social e Arrecadação da Sociedade Bíblica do Brasil.
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No final do século 15, praticamente, não existiam traduções da Bíblia para a língua falada pelo povo. Na Igreja ocidental, que tinha sua sede em Roma, a tradução utilizada nas missas e nos centros de estudo era a Vulgata – tradução em latim feita por Jerônimo no Século 4. Nos Conventos e Monastérios, eram realizadas leituras bíblicas nos ofícios litúrgicos. Nas casas do povo, a leitura bíblica era quase inexistente, por vários motivos. As Bíblias eram copiadas a mão e eram caras. A maioria das pessoas era analfabeta. O conhecimento bíblico do povo era transmitido por meio das obras de arte (esculturas, pinturas, vitrais) e por músicas. O calendário litúrgico da Igreja fazia com que o povo tivesse conhecimento das histórias relacionadas às grandes festas, como Natal e Páscoa.
A grande questão da Reforma não era sobre a Bíblia, mas sobre o Deus da Bíblia. Basicamente, as questões principais eram quatro: Quem é Deus? Quem é o ser humano? Como Deus providenciou a salvação por meio de Jesus Cristo? Como o ser humano recebe esta salvação? A última das perguntas conduz diretamente à questão da justificação pela fé. A Bíblia é o registro da revelação de Deus. Se essas questões forem respondidas corretamente, elas precisam ser respondidas a partir da Bíblia. É por aí que entra a questão da centralidade da Bíblia na Reforma expressa no “sola Scriptura” (somente pela Escritura).
Agora, é preciso voltar um pouco o olhar para Lutero e seu tempo. Lutero era um monge agostiniano. O começo do Século 16 é conhecido como o começo da Renascença. O Renascimento caracterizava-se como uma volta ao estudo dos clássicos do passado. Na filosofia, voltaram a ser estudados os clássicos gregos. Na religião, a volta foi para a Bíblia. Lutero era doutor em Bíblia. Ele dava aula sobre livros da Bíblia. Deu aulas sobre os livros de Salmos, Romanos e Gálatas. O estudo da Bíblia levou Lutero a questionar diversas práticas da Igreja de seu tempo e resultou na divulgação do famoso documento chamado “95 teses”, em 31 de outubro de 1517.
Lutero via a Bíblia como central para a doutrina cristã e o ensinamento da Igreja. Por isso, quando, alguns anos depois, foi sequestrado por amigos que temiam pela sua vida, Lutero dedicou-se, durante este retiro, a traduzir a Bíblia para a língua do povo. Ele pensava que se o povo pudesse ler a Bíblia, certamente, ele encontraria a revelação da graciosa salvação que Deus preparou por meio de seu Filho, Jesus Cristo, e que é recebida mediante a fé. Aí estavam os primeiros “solas” (somente): sola gratia (somente a graça), sola fide (somente pela fé) e sola Scriptura (somente a Escritura). A estes três somaram-se mais dois, que explicitam tudo para dar maior clareza: Solus Christus (somente por Cristo) e Soli Deo gloria (Somente a Deus a glória).
A tradução da Bíblia para o alemão começou em 1521, com o Novo Testamento. Durante seu retiro, no Castelo de Wartburgo, Lutero concluiu a tradução que foi publicada no ano seguinte. Nos próximos anos, com a ajuda de colegas, ele empreendeu a tradução do Antigo Testamento. A Bíblia completa de Lutero, em língua alemã, teve sua primeira edição em 1534. Até hoje, essa é considerada uma obra fundamental para a consolidação do idioma alemão.
3 passos para a leitura bíblica, segundo Lutero
É importante destacar que Lutero queria que a Bíblia estivesse na língua do povo para que fosse lida pelas pessoas. Lutero ensinava que a leitura da Bíblia deveria ser feita em três passos: oração, meditação e tentação. Ou seja, a leitura bíblica deveria, primeiro, ser precedida e acompanhada de oração. Na oração, assume-se uma postura de humildade e reconhece-se que Deus é Deus e o ser humano criatura. A oração também é o espírito correto para a leitura da Palavra de Deus, pois se assim for feita a leitura, significa que o leitor quer que, por meio da Palavra, Deus o ensine.
O segundo passo, a meditação, não é um simples exercício de espiritualidade abstrata para Lutero. Meditação é o estudo da Palavra. Passa pela gramática e compreensão do texto. A meditação compreende também os textos paralelos da Bíblia, pois Lutero seguia o princípio de que a Bíblia interpreta a si mesma.
O terceiro passo era chamado por Lutero de tentação. É quando o aprendizado obtido por meio da leitura é aplicado à vida. Lutero dizia que aí sobrevém a tentação. A vida cristã, que deve ser orientada pela Palavra de Deus, não é fácil. É no exercício da vida que as tentações surgem. Na oração do Pai Nosso, o Senhor Jesus ensina que é preciso pedir ao Pai para não cair em tentação. A leitura da Palavra deve ser praticada na vida.
A jornada de Lutero com a Bíblia é inspiradora para nossos dias. Quanto da vida da Igreja e dos cristãos continua sendo orientada pela Palavra de Deus? Quanto a Bíblia é lida e estudada pelas pessoas, pelas famílias e pela Igreja? Quanto a Palavra de Deus está influenciando a vida da sociedade? O que deveria ser feito para que a centralidade das Escrituras voltasse a ser a tônica da atividade dos cristãos? Olhar para a Reforma, certamente, inspira e ajuda na jornada de fé atual.
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